segunda-feira, 25 de junho de 2012

Os primeiros livros - Bastos Tigre



Um livro: — um lindo brinquedo

Que Bebê fica a mirar:

Cada página é um segredo

A desvendar.

Livro de folhas escritas

E ilustradas — mais de cem!

Quantas histórias bonitas

Ele contém!

Figuras de vivas cores,

Lindamente combinadas:

Casas, bichos, frutas, flores,

Bruxas e fadas…

E a explicação disso tudo

Em grandes letras impressas!

Bebê, radiante no estudo,

Firme, começa!

Essas letras, essas frases

Têm tais sentidos ocultos,

Que entender não são capazes

Doutos adultos.

É preciso ter cinco anos

– E nem todo mundo os tem –

Para poder tais arcanos

Penetrar bem.

Por leitura eu não entendo

O que eu faço e faz qualquer,

As letras do que está lendo

Sem ver sequer.

Bebê cada letra estuda,

Em cada sílaba atenta,

Franzindo a testa sisuda,

Descobre, inventa,

Decifra um novo mistério

A cada voz que enuncia

Que estudo não há mais sério,

De mais valia.

E é de notar-se o ar solene

Com que as silabas lê:

Já não confunde o “m” e o “n”,

O “p” e o “q”…

Ei-lo que as letras combina,

Forma os sons e, num momento,

Vai-lhe a frase, da retina

Ao pensamento.

Maravilha do alfabeto

Que dos arranjos de traços

Faz surgiur a idéia, o objeto!

Novos espaços.

Abre à razão ignorante,

Dá-lhe asas de luz e a eleva,

Radiosa, para o levante,

Longe da treva!

Que humano invento o suplanta?

Só um Deus pudera, em verdade,

Tal grandeza por em tanta

Simplicidade.

Vendo-o tão simples, dir-se-ia

– Do nada tão pouco além…

Que humana sabedoria

Do nada vem…

Quase-nada, gérmen ovo,

Do saber, célula mater,

Sem ele não tem um povo

Alma, caráter…


  ***

Mas Bebê quer tudo feito

Depressa; e anseia por ciência!

(Não é seu menor defeito

O da impaciência).

E, antes que os frutos recolha

Da cultura, ah, quem dissera!

Todo o livro, folha a folha,

Zás, dilacera!


Em: Meu bebê: poesias líricas ( Poemas da primeira infância), 1925. [Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras].

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